O espetáculo O Rei Cego é baseado num conto que traz figuras como príncipes, princesas, feitiços, seres fantásticos, mexendo com minhas lembranças da infância quando adorava ouvir as histórias que a professora contava. Isso me traz um sentimento de resgate e de prazer ao contar O Rei Cego para outras pessoas. Porém, agora estou do lado “de dentro” vivendo princesas, encontrando príncipes, dialogando com os seres fantásticos que antes povoavam somente minha imaginação infantil.
E estando do lado “de dentro” dessa dramaturgia, reflito sobre muitas questões que o conto traz. E o que mais me instiga o pensamento é a cegueira do rei. A cegueira de um bom soberano por certo deixa seu povo triste e inseguro. A cegueira traz limites e situação de superação para quem convive com ela. E ainda, além da cegueira dos olhos, podemos sofrer de outros tipos de cegueira? Será que tem coisas que preferimos não ver? Talvez o rei também não quisesse ver certas coisas ao seu redor. Ou melhor, preferiu desenvolver uma visão além das retinas, uma visão “com o coração”. Quem sabe...
Meu avô era cego. Não na história, mas meu avô de verdade. Por mais de trinta anos não viu a luz do dia, nem a escuridão da noite, nem o rosto dos netos, nem as maldades do mundo. Talvez nesse último item ele tivesse levado vantagem!
Pode ser por isso que essa questão da cegueira me toca tanto. Meu avô, apesar de cego, era a pessoa mais motivada e alegre que eu conheci. Sempre contente, pronto para contar piadas ou cantarolar músicas antigas. Todavia ele não tinha opção, sua cegueira era irreversível. Então relaciono com a história e fico me perguntando: até que ponto a cegueira do rei era somente visual? Ou seu coração e sua razão precisavam de outro tipo de visão para compreender o mundo que o cercava? Que tipo de visão cada um de nós utiliza no seu cotidiano?
Certamente há coisas que somente enxergamos quando fechamos nossos olhos.
Por Tuti Kerber
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